TOS_V1.png
  • Registry

  • Blog

  • Forum

  • More

    Use tab to navigate through the menu items.
    English
    EN
    English
    EN
    Portuguese
    PT
    To see this working, head to your live site.
    • Categories
    • All Posts
    • My Posts
    Diogo Giada
    Mar 11

    As Catacumbas de Vendalor

    in Discussões gerais

    AVISO: Nenhum personagem, fato ou dado deste breve conto é canônico do universo Tales of Shadoland. São usados aqui apenas alguns elementos do jogo que servem como pano de fundo do texto que é apenas uma forma de passatempo e entretenimento para a comunidade.


     

    Se falarmos de um lugar famoso por atrair todo tipo de pessoa, certamente falaremos de Vendalor! Esta cidade fortificada, centro do mundo humano, é sem dúvida alguma o maior centro de comércio do mundo inteiro! Talvez apenas Paradór seja capaz de competir com ela... Quero dizer, talvez apenas na questão metalúrgica, da forja e extração de minérios. Mesmo assim, uma vez por ano, a grande caravana comercial leva centenas de artesãos enânicos até Vendalor a fim de escoar parte considerável de sua produção.


    Não é à toa que um lugar assim seja o lar da mais movimentada e famosa de todas as tavernas: A Lebre Raivosa! Um lugar que ocupa um casarão de tamanho razoável inteiro. Sua fachada é ornamentada por uma placa entalhada que exibe uma lebre espumando pela boca e empunhando um enorme machado de lâmina dupla. É certamente uma imagem pitoresca!


    O dono do lugar, Grion, é um simpático homem de meia idade. Atarracado e aparentemente sem pescoço. Calvo no topo da cabeça e detentor de longos cabelos grisalhos nas laterais da cabeça. Deixa sempre sua madeixa presa em um rabo de cavalo, logo acima da nuca. Não mantém barba, cultivando apenas enormes costeletas que parecem chumaços de algodão que chegam até o queixo. Tão famoso quanto o lugar, é tido como um dos maiores contadores de história que existem. Não é raro vê-lo contando das suas diante da lareira do grande salão, momentos que transformam a taverna em um tipo de teatro improvisado.


    Foi lá que ouvi está história...

     

    Foi durante uma noite fresca, de céu estrelado, que surgiu através do portão norte da cidade uma figura cambaleante. Um homem, terrivelmente judiado deixava um rastro escarlate atrás de si. Sangrava em profusão, sendo difícil saber exatamente de onde vinha a hemorragia pois estava literalmente coberto de sangue. Em alguns pontos, parecia haver pedaços de carne faltando. Os guardas tentaram socorrê-lo, levaram-no ao curandeiro, mas já era tarde. Tudo o que ouviram fora um sôfrego "acho que perdi" que antecedeu um discreto meio sorriso que se esvaiu assim que a musculatura do rosto se tornou flácida, incapaz de manter qualquer expressão. Estava morto.


    Ninguém na cidade o conhecia. Ninguém o reclamou nos três dias em que permaneceu na gruta mortuária. Já exalava um odor mefítico quando o levaram para o cemitério. Entre o que restava de seus pertences, estava um correão ornado por uma fivela de latão. A peça era estampada com uma águia em alto relevo. Removeram-na e a pregaram em uma estaca que usaram para marcar o túmulo.


    O tempo se passou até que já não havia mais quem se lembra-se daquele acontecimento. Era razoavelmente normal sujeitos estropiados irromperem o portão norte, que dava acesso ao maldito cemitério da cidade. A guarda era reforçada, mantida assim desde que a grande horda havia se levantado, muitos anos atrás, tentando invadir a cidade. De tempos em tempos, um pelotão era enviado até lá, mantendo o número de retornados baixo e, principalmente, contido dentro dos muros da necrópole. Eram sempre cirúrgicos. Com o passar dos anos isso conferiu a falsa sensação de segurança, e pior, de que lidar com os mortos-vivos era algo simples e casual. Não é.


    Um incalculável número de aventureiros já se perdera nas catacumbas escavadas sob aquela colina. A grande maioria, atraída pela ganância e possibilidades de um bom saque entre os objetos funerários, acabou pagando por seu descuido e imperícia com o que tinha de mais precioso. Incautos, supostamente impassíveis que padeceram em meio à dor e ao desespero.



    Continua...

    9 answers0 replies
    3
    Diogo Giada
    Mar 14

    Daren caminhava pela estrada através da Floresta Serena. Estava animado! Chegaria a Vendalor no dia seguinte e, além disso, uma breve e suave chuva ajudara a refrescar um pouco do mormaço do dia. A precipitação deixara para trás o leve odor de terra molhada, trazido com um pouco mais de intensidade pelos sopros suaves da brisa do final da tarde, derrubando pequenos respingos das folhas de bordo que ela balançava. Era um final agradabilíssimo para um dia duro de viagem. O poente, por onde um sol já escarlate naufragava suas porções finais, explodia no que parecia uma aquarela de um céu alaranjado brigando com tons de rosa e carmesim e rajado por nuvens palidamente amareladas, tingidas por aquela profusão cromática.


    Ainda havia um pouco de luz quando o mercenário chegou ao entroncamento em que outros viajantes já estavam acampados. O costume neste tipo de ajuntamento é sempre o de anunciar-se, dizer de onde vem e para onde vai. Daren cumpriu essa formalidade e alguém lhe apontará uma pedra próxima que lhe serviria de banco. Agradeceu com um meneio cordial e antes de se sentar despiu-se de sua capa, um grande pedaço de lona de linho revestido de cera de abelha. Sacudiu-a de leve, fazendo cair as últimas gotas de chuva que ainda estavam aderidas a ela. Meteu-a no grande saco de couro que levava como mochila.


    Pegou antes de sentar-se um pouco de carne seca, entregando isso a um sujeito que posicionava um pequeno caldeirão sobre uma porção de brasas puxadas um pouco para fora da fogueira. Esse é o tipo de situação em que as pessoas se ajudam, dando um pouco do que podem. Era sorte haver alguém viajando com utensílios para poder cozinhar, uma porção de carne seca já seria uma extravagância. Ninguém apareceu com uma caça, fresca, um pombo que fosse, a coisa teria virado um banquete!


    Infelizmente, esse tipo de conduta amistosa, acabava sendo a fachada perfeita emboscadas. Não era coisa rara. Um grupo pequeno poderia ser alvo fácil para saqueadores e, sozinho, um viajante ainda teria que se preocupar com as bestas noturnas.


    Daren comeu, ouviu histórias, chegou a dar algumas risadas. Parecia que a noite seria tranquila. Ficou como vigia do primeiro turno, sentado no chão recostado na mochila apoiada contra uma árvore. Entre a estridulação dos grilos e o ronco de um ou outro de seus companheiros, acabou notando que o homem pálido, de aparência enfermiça e um semblante atormentado o observava. Ficara a noite toda calado, observando de lábios espremidos. Daren estava acostumado àquela expressão, uma agitação que seus contratantes normalmente tinham quando recorriam aos seus serviços. De manto e capuz, por onde viam-se poucos e finos fios de seus cabelos brancos, o sujeito fez um meneio distante, como se anunciando a intenção de aproximar-se também estivesse pedindo permissão. Daren, aquiesceu também com um meneio e um breve sorriso. Um trabalho agora significava não ter que se preocupar, por um dia ou dois, ao chegar em Vendalor.


    - Olá. E boa noite... – Disse o homem em uma voz fraca e embargada.


    Daren tentou observá-lo melhor, mas o capuz de seu manto o atrapalhava em meio à penumbra. Entretanto, não teve dúvidas da extrema idade do homem que integrava a pequena caravana que havia formado o acampamento.


    - Noite, ancião! Em que posso ajudá-lo? – o mercenário perguntou em tom amigável.


    - Ah... A cordialidade de um homem de armas que encontrou emprego. – sorriu – Não leve a mal meu gracejo, caro jovem. Mas sou um homem que já viu demais... Que adquiriu a capacidade de ler as pessoas.

    - De fato. Assim, novamente pergunto: Em que posso ajudá-lo?


    - Bem – continuou o homem -, há um bom tempo que meu filho desapareceu em Vendalor. Meses! E não consegui nenhum tipo de informação com a guarda, e nem com os locais. Tentei nas tavernas, entre trapaceiros e contrabandistas, mas, mesmo no submundo, ninguém parece saber sobre meu rapaz. Sabe, ele é como você, e veio para cá resolver uma querela, uma dívida, acho. Não me contou muito.


    Daren permaneceu em silêncio, com olhos inquisidores, esperando mais informações.


    - Após algumas semanas, sempre perguntando, insistindo, uma tal Eilin disse que um jovem com a descrição do meu filho morrera na cidade, tempos atrás. Antes que pudesse ir até o cemitério, procurar por algum túmulo marcado com alguma coisa dele, a guarda me conduziu para fora da cidade! – ele baixou a cabeça em um tom de desespero.


    - Preciso que me ajude a encontrá-lo...


    Daren balançou a cabeça dizendo que sim. Enquanto tomava ar para responder ao homem ele levantou a mão, em um gesto para que parasse.


    - Não tenho o que discutir. Tudo o que tenho é isso! – disse oferecendo uma pequena algibeira ao mercenário. – Trarei o dobro disso para você, em quatro dias, assim que regressar... É bom que eu não fique pelos portões da cidade. Chamaria a atenção...


    Daren concordou, novamente balançando a cabeça enquanto checava a bolsa de moedas. Era dinheiro suficiente para passar os próximos quinze dias tranquilo! Talvez cinco, n’A Lebre, com fartura e conforto.


    A noite se seguiu tranquila até que o dia amanheceu.


    - Bom, acho que nos veremos em quatro dias se os auspícios forem bons... – começou Daren, ensaiando uma despedida.


    - De fato! – respondeu o homem – E tome, leve isto! Ajudará a identificar meu filho. Não tem valor, fora o sentimental, e certamente pregariam isso a uma estaca sobre uma cova.


    Entregou a Daren um pedaço de tecido, dobrado, rabiscado com carvão, que o mercenário olhou e guardou em seu alforje na cintura. Mesmo sendo pouco, aquilo era melhor que nada...


    Partiu para Vendalor.



    3
    Diogo Giada
    Mar 17

    As entradas de Vendalor são, indiscutivelmente, uma visão imponente. Os portões das Serenas, com os quais Daren se deparou ao chegar, fazem qualquer um imaginá-los como um obstáculo intransponível. Um grande arco de pedra, encravado em uma fenda nas montanhas cujos rochedos eram uma fortificação natural ao redor da cidade. Um grande destacamento de guardas guarnecia as torres e a amurada. Lanceiros ao nível da rua, arqueiros atentos entre as ameias. Uma dupla de soldados postados junto ao imenso carretel de controle da massiva grade de ferro, com espigões afiados em cada junção, impossível de ser erguida sem o sistema de contrapesos. Normalmente, o arco de acesso permanece aberto, permitindo o entra e sai de transeuntes. Carroças que chegavam à cidade repletas de mercadorias a deixavam vazias poucos dias depois. O comércio da cidade é sem dúvida um átrio de seu coração pulsante!


    Daren baixou seu capuz enquanto se aproximava do portão. Mostrar o rosto, normalmente, era a melhor forma de passar despercebido por pontos de verificação. Havia sempre cartazes de criminosos procurados fixados à parede e pessoas que escondiam o rosto são sempre as que mais chamam a atenção. Era o tipo de coisa que aquele estilo de vida ensinava já que, não raro, algumas infrações deveriam ser cometidas para que se completassem alguns trabalhos. Apenas os tolos acabavam com seus retratos na parede.


    Por mais que fosse seu desejo ir diretamente para a Lebre, pedir um quarto e uma tina de água quente, lá não era o tipo de estabelecimento em que poderia encontrar o tipo de pessoa que tinha em mente. A história do homem na estrada tinha que ser verificada, mas as moedas que recebera em adiantamento eram mais do que a soma de seus três últimos trabalhos. Mesmo que o sujeito não voltasse a aparecer dentro do período combinado, era uma forma de manter-se ocupado até ter que procurar outro trabalho. Atravessou a icônica praça circular da cidade, encaminhando-se para uma área da cidade próxima às margens do lago. Uma casa simples, de fachada desleixada era guardada por alguns sujeitos de semblante pouco amistoso. Observaram fixamente a entrada de Daren. Dentro do lugar havia apenas um salão, com um balcão aos fundos e um fosso no centro, enfeitado como uma arena. Ali, pequenos animais eram atiçados uns contra os outros, enquanto apostas de grande vulto eram feitas no balcão.


    Quem agenciava as apostas era um sujeito chamado Gus. Daren já lhe prestara seus serviços algumas vezes. Não era um assassino, mas era competente em intimidar pessoas. O sujeito, de trás de seu balcão, olhou ligeiramente nos olhos do mercenário enquanto macetava um pedaço de carvão em um pilão.


    - Fiquei sem tinta... – disse impaciente – Odeio ficar sem a porcaria da tinta... Uma casa de apostas, sem tinta!


    Daren sorriu.


    - Não sei, acho que estou ficando mole. Tanta gente na folha de pagamento, mas ninguém confere o estoque da porcaria da tinta! – golfejou enquanto vertia um pouco de água sobre o pó.


    - Se precisar que eu surre alguém, o preço ainda é o mesmo – retrucou Daren em tom sarcástico.


    - É... Pode ser o caso. – Gus respondeu enquanto fazia uma ponderação sincera – Mas o que te trás aqui? Já faz um certo tempo, achei até que você já estivesse morto... Talvez virado um fazendeiro, o que é pior!


    Riram juntos.


    - Trabalho...


    - Claro, sempre ele.


    - Preciso saber sobre um sujeito que desapareceu na cidade. Já faz um certo tempo... Uma tal de Eilin poderia ajudar a me colocar no caminho certo. Sabe quem ela é?


    - Claro... Mas esse sujeito me devia? – ele perguntou enquanto voltava a fazer anotações em sua caderneta.


    - Não. Pelo que sei, veio aqui cobrar uma dívida.


    - Então realmente não tenho nada a ver com isso. Não chamo gente de fora para esse tipo de serviço. Mas a tal Eilin é uma herborista. Vive perto daqui, inclusive.


    Ele explicou para Daren o caminho para a casa da mulher enquanto este observava o buraco da arena improvisada onde dois ratos gigantes estavam sendo colocados.


    - Obrigado! – o mercenário agradece, passando algumas moedas discretamente sobre o balcão.


    Já era noite.


    Rapidamente Daren chegou ao local apontado, e pode ver uma jovem saindo do pequeno casebre. Ela saiu apressada pela rua, indo até uma viela. Esperou por um momento antes de adentar a penumbra. Seguiu cautelosamente, passo a passo, sem fazer ruído. Ouviu um baque surdo, seguido por um gorgolejar. Apesar da pouca luz, foi capaz de ver o contorno bestial da criatura que estava sobre a garota e lhe arrancava um enorme naco de carne do pescoço. Imediatamente ele sacou sua espada num movimento tão brusco que acabou chamando a atenção da fera que voltara seus olhos vermelhos como brasas para ele. Tinha um semblante canídeo, com uma pele pálida repleta de pústulas e tumores. Exalava um nauseante odor pútrido. Daren investiu contra a besta que apenas mostrou-lhe os dentes, não parecia um tom de ameaça, mas de escárnio. Pulando sobre uma das paredes, a escalou com uma velocidade sobrenatural, indo para o norte e deixando um mercenário atônito junto ao cadáver da garota.


    O Ar ainda estava fétido quando a guarda da cidade chegou ao lugar, Daren, já não estava mais lá.



    3
    Diogo Giada
    Mar 23

    Daren correu pela saída oposta da viela, tentando manter contato visual com a figura bestial que saltava sobre os telhados, sua tenebrosa silhueta contra o luar e um resfolegar horrendo que mesclava algo como um rosnado e uma risada insana. Já quase aos pés da montanha ao norte de Vendalor, a criatura pousou sobre um beiral, acocorada, observando o mercenário, seus olhos resplandeciam, rubros, ardendo com a malícia da mais pura maldade. Daren deteve-se quando se deparou com a horrenda figura, como uma gárgula, analisando-o com que pronta para dar-lhe um bote. Ainda atônito com o acontecido, o mercenário agia mais por instinto que por razão. Era a necessidade de sobrevivência que agora o impelia, agarrou o cabo da espada com a mão direita colada à guarda, a esquerda, sobre o pomo. Girou o pulso direito enquanto erguia a empunhadura sobre sua cabeça e trazia o pé direito para trás, ficando de lado, e mantendo a ponta da espada na altura dos olhos.


    A criatura saltou, seus pés atingiram o solo por apenas um breve momento, espirrando lama, antes de arremeterem num impulso que a lançou numa corrida simiesca em que usava os punhos para auxiliar no ganho de velocidade. A bocarra, repleta de imensas presas tortas, urrava escancarada enquanto uma saliva viscosa escorria profusamente, respingando em todas as direções a cada novo impulso. Em um último salto, atirou-se contra Daren como uma lança, suas garras postas a frente com a intenção de abrir-lhe o ventre. Ele reconheceu ser um ângulo ruim, não conseguiria acertá-la e ainda acabaria exposto. Em uma manobra evasiva, girou sobre o calcanhar de apoio, saindo do caminho da fera em um movimento ágil, sem sair da postura.


    A besta passou por ele como um raio, tentando frear sua disparada enquanto deslizava, espirrando novamente o lamaçal daquela rua em todas as direções. Conseguindo se virar ela investiu novamente contra o mercenário, desta vez, entretanto, com bem menos vigor que em sua primeira tentativa. Desta vez, ela ia para cima de Daren na posição que ele esperava. Quando estava perto o suficiente ele girou novamente seu pulso, velozmente, enquanto trocava os pés de apoio como em uma dança, a lâmina da espada cantou enquanto cortava o ar em grande velocidade. Um movimento que fez a ponta da espada girar sobre sua cabeça, para descer com enorme potência contra o peito da fera.


    Ouviu-se um baque, surdo, enquanto a criatura saiu de lado, cambaleando e guinchando. Passou as mãos em seu peito, banhado por um sangue grosso e enegrecido. O corte não era profundo, e mesmo com toda a força do golpe era pouca coisa mais que um arranhão. Serviu apenas para enfurecer a monstruosidade preenchendo-a com uma sanha assassina. Urrou.


    Pulando novamente em direção a Daren ela agora lançava sucessivos ataques, amplos, em que arremessava suas garras contra ele, que aparava e defletia com muita dificuldade o impacto de cada golpe. Apesar do choque contra a lâmina, apenas pequenos riscos surgiam como ferimentos no antebraço da criatura, apenas nos golpes mais fortes. Daren não conseguia retornar a lâmina para uma posição em que pudesse desferir um ataque preciso. Subitamente, ele parou de recuar e investiu, desta vez com a empunhadura da espada contra o rosto da fera, pega de surpresa. O pomo maciço acertou a criatura bem no meio de seu rosto retorcido, fazendo com que desequilibrasse e caísse.


    O mercenário se afastou, recuando o máximo que podia. O monstro se levantou, recobrando a direção, batendo sucessivas vezes com as garras no chão, lançando barro para trás. Novamente, lançou-se com uma fúria incontrolável contra Daren, que baixou a ponta da espada posicionando-a atrás de si, paralela a sua perna direita, recuada, enquanto se apoiava na perna esquerda levemente flexionada. A criatura avançava sobre ele mais uma vez, veloz, enfurecida, urrando com sua enorme boca escancarada. Daren manteve a postura, esperando até o último momento que ela se aproximasse o suficiente para ele lançar seu corpo para frente, enquanto em um movimento rígido, reto, fazia a espada subir como uma flecha em uma estocada precisa.


    A ponta da espada entrou pela boca da fera, atravessando sua garganta e saindo pela nuca. Darren apenas soltou a arma, desviando dos últimos golpes que a criatura lançou a esmo, enquanto cambaleava. O sangue, com aparência de alcatrão, tomava-lhe a garganta, fazendo-a gorgolejar como a garota, enquanto se debatia, golpeando e quebrando tudo ao redor até que, finalmente, caiu inerte alguns passos mais à frente. Os sinos da guarda já soavam pela cidade enquanto ele recuperava sua espada.


    - É a porra de um ghoul*... – ele murmurou enquanto um grupo de patrulheiros o encontrou.


    Cercado, ele recebeu dos soldados ordem para entregar a arma e acompanha-los.





    * tomei a licença poética de utilizar um ghoul mais de acordo com as narrativas de Lovecraft, o que pode causar um pouco de estranheza aos acostumados ao ghoul/carniçal mais convencional dos RPGs.

    3
    Diogo Giada
    Mar 27  ·  Edited: Mar 27

    Daren sentia-se incomodado ao ser escoltado pela guarda da cidade até o quartel. Por mais que nenhum dos soldados tenha sido hostil, até lhe deram parabéns por ter abatido o ghoul que invadira a cidade, certas rotinas e sensações lhe eram estranhas e preocupantes. Um mercenário, geralmente, mantém-se o mais distante possível dos olhares e principalmente do alcance de qualquer força da lei. Estar ali era completamente contrário ao seu instinto de sobrevivência.


    Ele estava de pé, apoiando as costas e o pé esquerdo na parede, olhava do teto para uma mesa a sua frente, onde sua espada repousava junto a outros equipamentos, alguns deles com indícios de estarem ali há muito tempo. De sua arma seu olhar saltava para o guarda sonolento sentado ao lado da mesa e, dali, para a porta onde dois guardas estavam de pé com alabardas.


    Haviam dito que a nova capitã da guarda exigira que todo incidente deste tipo fosse imediatamente reportado a ela. Já havia passado mais de uma hora ali, de pé, aguardando. Entediado, foi até o fundo da sala, onde em uma segunda mesa repousava um grande jarro d’agua. Desprendeu o gancho da concha da borda do recipiente, mergulhando-a em seguida. Sorveu um grande gole que acabou sendo mais prazeroso do que o esperado. Há horas não bebia nem comia nada, apenas agora, passada toda a comoção da agitação é que fora capaz de notá-lo. Também havia um pouco de comida, pão e frango, que pela falta de interesse do guarda em sua movimentação certamente não fariam falta a ninguém. Comeu. Sabia que ne tivesse sido preso não estaria naquela sala, teria sido jogado diretamente na masmorra, tentava aplacar seu instinto de tentar sair correndo dali, custasse o que custasse.


    Ainda tinha um bom pedaço de pão nas mãos, tão grande quanto o pedaço que tinha vorazmente abocanhado e estava tentando mastigar, quando o cabo das alabardas dos guardas na porta da sala bateram ritmadamente no chão, anunciando a posição de sentido que a chegada de um superior exigia. O guarda sonolento ergueu-se de salto enquanto Daren atirou o pedaço de pão de volta à bandeja de madeira de onde o tirara. Sem saber o que fazer, com a capitã já dentro da sala sendo saudada pelo guarda, agora extremamente alerta, engoliu o que tinha na boca de uma vez. Teve noção no instante seguinte que aquela não fora a mais brilhante das ideias. A casca grossa e seca do pão já meio duro descera-lhe pelo esôfago como se fosse uma dezena de navalhas. Sentiu os olhos marejarem.


    - Olhos maiores que a barriga, cidadão? – inquiriu a capitã.

    - Capitã Nayija, este é o mercenário que abateu o ghoul que atacou a herbalista. – Informou rapidamente o guarda.


    A capitã mediu Daren dos pés à cabeça. Não parecia ser uma mulher além de seus trinta e poucos anos. Seu olhar e sua voz eram suaves, mas sua presença era extremamente intimidadora. Não à toa era a capitã da guarda de Vendalor. Dando as costas a Daren ela olhou para mesa em que repousavam as armas, e bastou apenas isso para que o soldado lhe entregasse a espada do mercenário. Ela a tirou da bainha, analisando a lâmina ainda suja com o sangue viscoso e fétido. Notou que era antiga, e mesmo bem cuidada ela agora estava chanfrada pelo impacto contra o ghoul.


    - Esta lâmina já viu dias melhores, não? – perguntou a capitã – Fico satisfeita em saber que, mesmo assim, fora capaz de abater aquela monstruosidade... – ela fez uma pausa enquanto suspirava – Pena não o ter encontrado antes dele ter destroçado a pobre Eilin.


    Travando o canto da boca o mercenário concordou com um meneio.

    - Você a conhecia? – Ela perguntou.

    - Não...


    Antes que ele pudesse prosseguir com sua resposta ela o interrompeu, erguendo a mão direita espalmada para ele.

    - E por qual motivo a seguia? – ela perguntou enquanto ele tentava esconder sua surpresa. Certamente aquela mulher iria notá-la.


    - Por acaso não tem nada a ver com isto? – ela prosseguiu mostrando a ele um pequeno pedaço de papel escrito “Hoje. Lugar e hora de sempre”.


    - Não... – soltou Daren achando estranho sentir-se impelido em dizer a verdade – O que acontece é que uma indicação me levou a ela, dizendo que a moça poderia ter informações sobre o paradeiro de uma pessoa que fui contratado para encontrar.


    - Claro! E um mercenário não acharia nada inteligente falar com a guarda primeiro, não é mesmo?


    Aquele tom jocoso era um tremendo incômodo para Daren, parecia que ela sabia lê-lo! Tratava-se de alguém com muito conhecimento sobre aquilo que fazia, extremamente competente para o cargo. A capitã apanhou sobre a mesa uma outra espada.

    - Tome! Por seu serviço, mercenário. Sua lâmina está além do que nossos ferreiros podem fazer. Talvez em Paradór pudessem dar um jeito nela, mas não aqui! – ela lhe entregou uma espada de pomo e guarda douradas, forjada em belo aço com padrões em gota de chuva – Duvido muito que alguém virá reclamá-la, já está aqui há algum tempo. Esses equipamentos são dos pobres coitados que não foram hábeis o suficiente para manejá-los.

    Ela fechou os olhos quando estendeu a arma para Daren.


    - Que ela lhe sirva melhor que a seu último dono. – disse Nayija – Da próxima vez procure a guarda. Somos mais prestativos do que os mercenários imaginam...


    Ela sorriu, bem de leve, com um rápido olhar para Daren antes de se virar e deixar o lugar. O guarda olhou para o mercenário e, com um breve acenar de ambas as mãos, o incentivou a fazer o mesmo.


    Daren aceitou a sugestão...